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segunda-feira, agosto 29, 2011

Eus e vocês

Ser mais bonito que o outro porque comprou maquiagem mais cara. Pensar melhor que o outro porque pude pagar por um bom curso. Ir mais longe que o outro porque consegui milhas. Rezar melhor que o outro porque pode dar mais dízimo esse mês.

O coitado, o ferrado, o desamparado filho do homem, que busca, na sua ignorante jornada do dia a dia, um alento, um suspiro, uma risada no botequim.

A mal amada, a ferrada, a desorientada dama da noite, que, com seu rebento, tenta adquirir um frasco do remédio na fila da "saúde", e tenta quase ser feliz com seus palavrões e atitudes de força perante os machos que ficam aos seus pés, quase desfalecidos de prazer.

O guri, que entra sorrateiro no mercado e sai sem pagar. Que risca os automóveis escondidos com suas flanelas e gomas de mascar. Que, no vale-tudo da infância perdida, joga pelada com bola de meia e solta foguetes e pipas, que detonam que a diversão burguesa chegou no morro.

O bonito, o abastecido, que se banhou no shopping center, sobe, de ombros baixos, naquele mesmo morro onde todos os pobres coitados residem, e agora se tornam reis. O bonito paga com seu dinheiro seco, sem suor, e adquire seu tesão maximizado, sua euforia ensacada, sua pureza dissolvida entre as mãos do cara da balança.

No fim, o coitado, a mal amada, o guri e o bonito se pegam olhando para o céu, o infinitamente frio juiz, que nos observa sem mover um cílio ou átomo para alterar nossas rotas. Todos olham, continuam olhando, um barulho os distrai, olham para o barulho, que cessa.

Os filhos da multidão, os filhos do dia e da noite. Os filhos ateus do senhor destino. As desgraçadas Genis. Os malandros e os manés. Eu, você e nós todos no amanhã que nunca chega.

No céu, tanto faz, mas faz tanto. O shopping, o morro, o bordel, o boteco, o céu, o chão, o automóvel, o capítulo final e talvez, um epílogo.

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